Fora da Rede

... agosto 2025

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Txriza estava em seu dormitório tarde da noite, como de costume, navegando na rede. Em seu computador de mesa, inúmeras abas estavam abertas, algumas sobre novos softwares ilegais recém lançados, outras em vídeos virais de gafes políticas, geralmente protagonizados por políticos do império se passando por mocinhos antes de serem confrontados por jornalistas astutos. Estando a meia luz de lanternas improvisadas em um ambiente naturalmente frio, tudo era silêncio quando ela recebeu uma mensagem de seu amigo Lupin “Dá uma olhada nisso:”, dizia a mensagem seguida de uma imagem anexada que revelava um drone imperial, com o seu código de produção riscado, tirando isso o drone parecia novinho. “Puta merda” pensou Tx, “Quando e onde?” escreveu ela, pegando em seguida mais uma batatinha chips, estelares hipersaturados, da embalagem que pendia em seu colo. Enquanto esperava a resposta, ela já pensava nas aplicações do drone em missões de reconhecimento e combate, imaginando como seriam os circuitos e quais seriam as modificações possíveis no aparelho Imperial, ela pesquisou na internet e não encontrou registros do modelo da foto, parecia coisa de primeira linha “Talvez ainda seja um protótipo”, ela divagava no momento em que o celular recebeu uma notificação “Agora a pouco aqui no Setor de Mercadorias. Parece que o império tem contratos, digamos curiosos, com comerciantes locais, mas sabe como é, o Dex conhece um pessoal e conversa vai, conversa vem, descolou essa belezinha pra nossa iniciativa ha ha.”, Tx deu um sorrisinho e se pôs a escrever “Mal vejo as hora de dar uma olhada nesses circuitos da realeza. Vou dar uma passada aí amanhã cedinho.”, “Blz, local de sempre?”, “Pode ser, prepara um café pra mim, terei muito o que estudar >:D”.

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Tx levantou às 5h, pôs suas botas pretas de origem militar, e jogou um sobretudo por cima de sua blusa verde simples e de seu jeans azul surrado, ela não levava mochila pois tudo de que precisava estava em seu celular, ela também tinha implantes em seu braço que a permitiam criar conexões com dispositivos tecnológicos, cortesia da seção de robótica da Resistência, que para além de ajudar pessoas comuns com a aplicação de próteses cibernéticas, também oferecia modelos operacionais para os agentes da iniciativa. Depois de se arrumar, Tx quase se esqueceu de seu fone, o pegando da mesa ao lado da cama rapidamente o colocou ao redor do pescoço, agora estava pronta pra sair. Do lado de fora do dormitório, ela estava focada em fazer o mínimo de barulho possível ao se deslocar pelos longos corredores subterrâneos que constituíam a base da resistência, o centro de operações que atuava pela queda do Império.

Ao chegar perto de uma das saídas que levavam a superfície, uma porta lateral se abriu e Dex apareceu, ele parecia cansado, tinha olheiras fundas mas passava uma aura de confiança absoluta. “Vejo que já está de pé.” ele falou tranquilamente, “Bom dia Dex, eu só vou dar uma saída, coisa rápida.”, respondeu Txriza dando um sorriso casual, “Tx, preciso te mostrar uma coisa, acho que é do seu interesse.” Dex disse sério, ele estava mais soturno do que de costume e com um gesto de mão apontou para dentro da sala onde estava, “Okay, se você diz...” Tx deu de ombros e o seguiu.

Lá dentro a luz vinha do teto, espalhando-se em grandes feixes projetados por uma lâmpada azulada comprida. Na parede diretamente oposta a entrada jazia um telão formado por vários monitores com visão às câmeras da base, ao redor jaziam os fios dos dispositivos do ambiente, Dex puxou a cadeira para o lado e se sentou como se um grande peso estivesse em suas costas, passando a mão pelos olhos ele disse “Pegaram o maldito drone.”, Tx pensou em se fazer de desentendida mas achou melhor não forçar a barra, “O que?!”, “Veja por si mesma.”, Tx olhou para o monitor principal e viu um chat de Dex com Lupin:

“Puta merda cara, não sei como aconteceu, mas perdemos a encomenda.

Entraram no esconderijo enquanto eu estava sozinho, não sei como passaram pela tranca da porta, perguntaram do drone enquanto apontavam uma pistola laser na minha testa, me desculpa Dex mas eu não tive muita opção.”

A mensagem tinha sido enviada às 3:43 da madrugada, e Dex não tinha respondido. “Dex, eu …”, “Escuta Tx, preciso que alguém encontre o drone, e preciso que isso seja feito em sigilo, essa pode ser uma peça fundamental para nossa causa. Como você já parece estar por dentro do ocorrido”, Tx o interrompeu “Olha Dex, eu nunca trabalhei em campo. Sabe melhor do que ninguém que eu lugar é atrás de monitores, hackeando sistemas. Sempre a distância!”, cerrando as mãos enquanto o olhava ela descobrir o que ele estava pensando, não captou nada. Dex passou a mão pelos olhos antes de responder “Olha só Tx, eu não queria estar te colocando nessa posição. Mas você já parecia bem a par da situação até cinco minutos atrás.”, Tx cruzou os braços e deu um longo suspiro, “Se é o que precisa ser feito. Vamos logo com isso.”, Dex assentiu levemente, sua postura ficando um pouco menos encurvada do que antes. Ele disse “Certo, vou pegar uma coisa que pode vir a ser útil.”, terminando de falar, Dex abriu uma gaveta, que antes parecia fazer parte da mesa, e do um compartimento escondido tirou uma magnum de aspecto mecânico industrial, pequena o bastante para passar despercebida sob vestimentas comuns. “Farei o que puder Dex.”, Tx falou usando todo seu esforço para não deixar o nervosismo transparecer em sua voz, enquanto ela sentia o peso da arma sendo entregue em suas mãos, sua cabeça se revirava com o pensamento de que aquele objeto que agora a pertencia, tinha sido criado com o único objetivo de matar outra pessoa.

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Tx andava pelas ruas movimentadas da Cidade Capital usando os fones de ouvido que a isolavam do caos sonoro das avenidas, pontes e escadarias pelas quais passava. Ela ouvia uma balada melancólica de Junko Yagami, e para ela a música era como uma espécie de mantra, sob sua influência, ela conseguia seguir um ritmo próprio, que a conduzia no fluxo magnético da multidão que a rodeava, de vez em quando ela se esbarrava em pessoas, mas estas assim como ela, estavam muito concentradas em seus próprios pensamentos para criar qualquer caso. Tx olhava apreensiva para os cantos naturalmente, já acostumada a prestar atenção ao menor sinal de ameaça, criada desde criança naquela cidade que parecia levar a violência em sua formação arquitetônica. A metrópole, era marcada por vias alternativas e becos que rodeavam os centros comerciais causando confusão a novos passantes, que se perdiam por corredores e escadarias que pareciam ter vida própria, era como se a cidade se manifestasse contra seu mapeamento, uma vez que nem a instalação de placas se fizera de todo útil, pois as mesmas precisavam constantemente ser atualizadas, devida a grande expansão da Cidade, que se deu em decorrência do crescimento populacional, e da incessante abertura de novas lojas e inferninhos perdidos, todas essas coisas formavam um grande labirinto incidental.

Após meia hora de caminhada ansiosa, Tx estava então passando por uma rua menos movimentada, quando foi tomada pela consciência de sua frágil mortalidade, diante de alguma armadilha forjada pelas pessoas que tinham roubado o maldito drone, arduamente adquirido através de contatos estabelecidos em tempos de agitação política. E pensar que aquele ‘simples’ aparelho militar poderia representar um ponto de virada importante para a resistência. Era assustador pensar que essa pequena vitória agora dependia em grande parte dela. Nunca gostará de violência. Sua reputação foi construída em linhas de código, não caçando ladrões. Em seu começo de carreira, Tx passou por todas as competições de programação do submundo que pôde encontrar. Nelas, não era raro deixar no chinelo hackers que batiam no peito por invadir sites de supermercado autônomos ou agentes robôs da polícia. Trabalho de principiante, códigos malfeitos e rastros eletrônicos deixados como se o autor buscasse ser encontrado, coisa de idiota. Nas competições o nível era baixíssimo e se por um lado o dinheiro que ganhava dava para pagar umas contas, por outro era entediante e não mudava em nada o inferno na terra que era a favela da cidade onde cresceu. Do mesmo modo que ela sentia que dava para fazer muito mais do que aquilo, tinha a certeza de que a má qualidade de vida não era algo localizado. Quando ela se deu por si, já era uma rebelde. E seu talento e dedicação a programação logo a levaram a várias das missões da resistência que seguiam um outro paradigma: roubos de documentos operacionais, sabotagens de sistemas da inteligência Imperial e desvios de dinheiro para ajudar aqueles que estavam cansados de viver de cabeça baixa, sempre trabalhando até altas horas, para no fim do expediente ainda correrem o risco de serem espancados na rua por estar ‘vadiando’. A falta de sono, os potes de macarrão instantâneo que formavam montes na pia, dias e dias de luta para enriquecer os mesmos ricos de sempre. Não dava pra continuar assim. Por isso seguiu na resistência apesar de todos os riscos envolvidos. Lá ela sentia que era parte de algo maior, um outro futuro com mais liberdade. Ela deu um sorriso ao notar como após três anos, esse algo poderia ser traduzido também como família. Ela seguia lutando sempre atrás dos bastidores, com sangue nos olhos, mas através do teclado e mouse. Esse era o seu mundo até aquele roubo do drone… aquilo havia mudado tudo. Nada de códigos, criptografias ou ataques a sistemas governamentais usando memes de gatinhos, agora ela estava atuando na Cidade Capital, uma metrópole onde os únicos elementos digitais eram os hologramas de propagandas e acessórios de moda. Usando certas substâncias era possível visitar lugares secretos pelas vielas, enxergando cores estelares e vendo seres de outros mundos, apesar disso, por trás dessas fachadas a realidade não poderia ser mais palpável: as pessoas seguiam sendo de carne e osso. E balas e feridas não eram elementos de um jogo apostado de fim de noite, mas sim , viagens sem volta.

Tx seguia andando pelas ruelas, tentando não chamar muito atenção, ela era só mais uma naquela cidade que parecia uma extensão da opressão. Uma metrópole já acostumada a moer aqueles que não seguiam as regras impostas por uma ditadura que já valia a tempo demais, lembrar disso fez Tx ficar menos incerta sobre ter aceitado aquela missão. Apesar disso, longe das luzes neon de seu quarto, ela não seguia confiante de seu caminho, e como num loop, ela seguia rápido e fazendo caretas ao passar pelos containers de lixo deixados ao ar livre.

Entrando em uma viela lateral, ela estava prestes a descer para a estação de metrô que a levaria para o ponto de encontro onde tinha marcado com Lupin antes da merda toda acontecer. Atenta e já sem os fones, num átimo de segundo um estrondo atingiu seus ouvidos, estilhaçando o silêncio intrincado que pairava no ar, olhando rapidamente para a origem do barulho viu uma lata de lixo caída, e de dentro dela um rato gigante surgiu, com presas afiadas, uma pelagem de aspecto mofado e uma feição que desafiava a natureza, o roedor se distorcia e tremia em ondas de ameaça, sua agressividade reforçada pelos maliciosos olhos que a encaravam com uma raiva primitiva. Tx puxou sua magnum enquanto a criatura partia em disparada, e assim que ela soltou a trava do gatilho, BANG!!! O rato foi atingido na cabeça, que agora se espatifava em montes de massa disforme e sangue pelo piso empoeirado, enquanto o restante do corpo se deixava cair em descompasso, as pernas se atropelando como um brinquedo quebrado. Tx surpresa olhou para trás apontando a arma para a cabeça de quem quer que fosse, porém sua mão trémula recuou quando reconheceu o rosto amigo, soltando a respiração suspirou de alívio, era Troiner, um companheiro da iniciativa, ele segurava uma pistola laser preta, e a pôs na coronha dando um sorrisinho, “Puta merda, Troi! Que susto que você me deu!” Tx dizia enquanto guardava a arma e balançava as mãos numa tentativa de afastar a onda de adrenalina que a atingia, “Melhor ganhar um susto que perder uma perna, esses desgraçados ficam na espreita esperando um desavisado, ou um cabeça de vento corajoso o bastante para se arriscar por essas bandas”, “Okay, okay foi má ideia vir por aqui, porém tenho ordens urgentes e aqui é a passagem por onde chegarei onde preciso com a menor chance de atrair atenção, doutor sabe-tudo.” Tx mostrou a língua em zombaria amigável, “Ha ha, também senti saudade, Tx. Aliás, sei bem da sua missão, o chefe me mandou sair da minha zona de vigia pra dar uma mão.”, “Ótimo! Finalmente tenho alguém pra terceirizar a reação violenta caso necessário! Vamos nessa.” No curto momento antes de descerem para a estação um misto de animosidade e entendimento se fez presente, naquele dia tal reencontro era uma das coisa mais inesperadas que poderia acontecer, mas o mesmo já tinha provado que um padrão a ser mantido seria o das surpresas.

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Desceram as escadarias solitárias que guiavam uma descida ao subterrâneo da grande Capital, e ao chegarem no final se viram num ambiente insalubre, escuro e corroído pelas centenas de anos que marcavam a origem daquela grande instalação. Destinado à população, o metrô conectava os polos comerciais aos habitacionais em um complexo sistema que para leigos pareceria uma centena de fios embaraçados, não era esse o caso de Tx e Troi, uma vez que o sistema era seu principal meio de locomoção. Baseado na análise do percurso Tx optará por aquela estação, que se localizava fora do eixo principal, de modo que ela se encontrava mais vazia àquele horário. “Certo Troi, já que está aqui, acho que devemos bolar um plano de ação.” Tx falou enquanto usavam cartões para pagar as passagens numa máquina automatizada, “Nesse caso, creio que devemos entrar pelos fundos e passar despercebidos, roubando o drone debaixo do nariz deles e dando o fora antes que sintam falta do robô.” A cadência de Troi era monótona e enquanto ele falava escrevia coisas em seu celular, “Uau! Que plano mais inovador, tenho certeza de que eles NUNCA pensariam nisso.” Tx tinha cruzado os braços e parecia preocupada, assim que Troi ia responder, as luzes do metrô se tornaram visíveis. Quando o veículo parou e abriu as portas, Troi deu dois toques na cabeça e acenou para Tx.

No vagão, encontraram vários lugares vazios, porém o mesmo não estava livre de passageiros, a partir desse momento passaram a usar a consciência, iniciando uma comunicação por telepatia, “Tirando seu ar de superioridade mesquinho Tx, eu até concordaria com sua crítica, mas eu tenho duas cartas na manga que serão úteis na nossa infiltração.” ao terminar de falar ele puxou do bolso o cartão do metrô, e com um toque usando sua digital, ele se transformou em um cartão esverdeado, instantaneamente reconhecível, Tx arregalou os olhos e abriu a boca em surpresa, para em seguida a cobrir desviando os olhos despreocupadamente, “Como você conseguiu isso?? Não é todo dia que se vê um passe da elite.” “Uma das vantagens do meu posto de observação, é a demanda por fazer presença em ambientes exclusivos. Casas de festas com as melhores bebidas e as piores companhias possíveis, jardins biônicos revitalizantes e restaurantes onde um mero aperitivo cobriria um mês de despesas de um cidadão comum. Obviamente é nesses lugares onde os maiores absurdos são falados, e é meu trabalho filtrar a merda inútil daquela que posso usar como fertilizante.”, Tx franziu o cenho e pensou em quão ruim Troi era com metáforas, mas entendeu a ideia e preferiu não comentar nada a respeito, ela apenas respondeu “Bem, vou deixar você abrir passagem, só me pergunto como vamos achar esses caras, acho que o melhor a fazer é ir no esconderijo onde Lupin estava, devem ter deixado algum rastro.”, Troi acenou tranquilamente, era a primeira vez no dia em que concordavam sobre algo, era pequena, mas já era uma vitória.

Precisavam descer no Setor Arborífico, exclusivo de poucos felizardos, herdeiros, donos de empresas e um número ínfimo de pessoas comuns que mataram leões atrás de leões para chegarem em tal nível de privilégio social. Enquanto não chegavam, Tx pôs novamente seus fones, e pelo celular clicou em sua playlist de city pop japonês, por algum motivo, a produção das músicas daquele período tão distante a passavam um forte sentimento nostálgico, de uma realidade que nunca viveu mas que de alguma forma conseguia imaginar, enquanto ouvia ‘midnight driver’, um outdoor subterrâneo passou pela janela, ele mostrava no maior estilo nacionalista: Um militar com os braços estendidos para cima de forma triunfante, sendo recebido por sua esposa e filho em frente a uma típica casa imperial, tudo acompanhado de uma frase em destaque logo abaixo: “Sirva ao Império, e o Império servirá a sua família.”, Tx pensou na habilidade dos artistas que produziram tal criação, uma singela peça do extenso arsenal imagético do atual governo planetário, propaganda milimetricamente higienizada. Tx deu um sorrisinho ao lembrar que tal tática se enfraquecia a cada dia, em cada reunião da iniciativa, em cada invasão à indústrias Imperiais e missões de infiltração bem sucedidas. Tx sabia que o Império estava estabelecido a muito tempo e como durante esses longos anos ele passará por reformas que o tornaram uma potência incontestável, porém o tempo passa. Era tempo de destruir a fortaleza Imperial. Foi o que passou por sua cabeça enquanto o metrô saia do subterrâneo.

Enquanto isso, Troi dormia usando óculos escuros, de modo que seu único sinal de vida jazia no sútil subir e descer de seu peito. Faltando uma estação para descerem, Tx estando sentada ao lado de Troi o cutucou com o pé, no mesmo momento, ele grunhiu e ergueu a cabeça olhando ao redor, sua mente rapidamente desperta se atentando para o vagão, que agora estava mais cheio, em geral de passageiros comuns, salvo por excêntricos que saltavam à vista, como um rapaz de botas vermelhas que iam até antes do joelho, botas nada ergonômicas, esquisitas o suficiente para justificarem seu valor absurdo, engraçadas o bastante para gerar comentários maldosos, mas acima de tudo, feitas na medida para serem consideradas alta moda. Troi às vezes se pegava nesses julgamentos alheios, muitas vezes porque em missões, essas avaliações serviam ao propósito de identificar possíveis fontes de informação, o problema de tal habilidade era o lado intrusivo que se fazia pungente em momentos como aquele, onde a análise nada o fornecia de útil, a não ser a compreensão de que, sim, ele até podia ter menos grana do que aquele pivete, mas isso não o impedia de se vestir bem melhor que ele.

Uma voz anunciou a parada “Setor Arborífico” e ao sinal Tx e Troi se posicionaram nas portas. Assim que saíram do vagão, Troi fez um cumprimento levantando a mão aos dois guardas ciborgues que guardavam a divisória laser que dava acesso ao setor, Tx repetiu o movimento, os guardas não demonstraram qualquer emoção, ao que Troi usou o cartão de acesso de elite passando pela divisória, em seguida liberando o acesso para Tx sem complicações.

Do lado de fora da estação o sol brilhava forte, e reluzia em calçadas brancas limpíssimas, que guiavam os pedestres para barracas e lojas planejadas que vendiam desde plantas pequenas de apartamento a ervas requisitadas nas festas de alta classe da cidade, o aroma da rua era fresco, e as pessoas pareciam como que saídas de propagandas de margarina, todos agindo em perfeita sintonia com aquele lugar. Uma aura de felicidade moldada por anos de tranquilidade e estabilidade social exalava de uma empresária que passeava com seu cachorro pela rua, passando para um velho senhor que despreocupadamente observava produtos e conversava com outros clientes dentro de uma loja de cosméticos cuidadosamente decorada. “Cacete, eu nunca vou me acostumar com a quantidade de plantas que ainda existem por aqui, e como fazem tudo parece tão natural.” ainda se comunicando pela consciência. Ao andarem pelas ruas, a cada encruzilhada eram visíveis praças extensas onde passarinhos bebiam água em fontes imponentes de representantes políticos daquela comunidade quase secreta. “Aqui é um paraíso na terra sem dúvida.” Troi falou em voz alta enquanto tirava os óculos escuros revelando seus olhos de metal, pequenos círculos lisos, que refletiam os raios de sol criando feixes de luz fugazes, como aqueles lasers que gatinhos tanto gostam de perseguir.

Usando telepatia, Txriza disse “Troi, você acha que esse lugar continuará a existir caso consigamos derrubar o império?”, “Acho que ninguém tem a resposta para isso. Mas uma coisa é certa, podemos não pertencer a esse lugar, mas sabemos o preço que é pago para que essas pessoas possam viver à luz do sol, longe de toda a poluição e violência da Capital.”, com esse lembrete Tx pensou nos acordos mantidos entre o Império e os representantes das maiores corporações da cidade, e em suas demandas e petições por espaços que os “deixassem trabalhar” para que pudessem continuar a trazer seus maravilhosos produtos para a sociedade, objetos que iam de televisores de última geração a roupas anti-fuligem para o dia a dia. Também eram feitas demandas especiais por essas empresas, que curiosamente também possuíam setores especializados em produtos militares e de controle de massas, setores obviamente mantidos na surdina, que fechavam anualmente contratos bilionários para entregar ao império lotes gigantescos de campos de força, algemas magnéticas entre outros produtos “pacificadores”.

Tx estava perdida nesses pensamentos, e se questionava sobre o que as pessoas que Troi vigiava pensavam sobre a Cidade, ou se passava pela cabeça delas que talvez o regime atual era ameaçado por um bando de arruaceiros que se mantinham organizados o suficiente para tentar tal façanha. Tx deu um sorrisinho ao pensar nos empresários endinheirados perdendo a linha em festas enquanto suas bases, onde desde sempre tinham se apoiado, cediam graças às rachaduras que eles mesmos ajudaram a criar. Tx pensou em comentar sobre tudo isso com Troi, quando percebeu um homem acenando para ela, ele tinha uma barba comprida e bem cuidada, que o fazia aparentar ter entre 20 a 35 anos, vestido como um hippie, em uma espécie de vestido, algo que poderia ter pertencido a um Aristóteles vaidoso, a peça era cravejada por joias verdes e vermelhas, ele estava parado na entrada de uma rua entre dois quarteirões, Tx olhou confusa por um momento e ao perceber que Troi acenava amigavelmente para o desconhecido, ela disse telepaticamente “Esse é o contato com quem você estava falando antes de entrarmos no metrô né?”, “Ele mesmo, Alex Adams, ele é um antigo amigo meu, também é um morador que gentilmente irá nos emprestar um de seus carros, para que possamos vazar daqui o mais cedo possível.”, ao chegarem perto, o tal Alex disse “Meu mano Troi, e… “ ele estendeu a mão para Tx, que retribuiu o cumprimento dizendo ”Me chamo Txriza, prazer em conhecê-lo, senhor…”, ”Alex, e pode me chamar pelo nome. Ser tratado por senhor é um fardo que ainda não estou pronto para carregar haha.”, “Alex, Alex, eu disse que essa barba não joga do seu lado, mas você que sabe. De toda forma, bom te ver.” Alex passou a mão pela barba de modo natural, uma clara mania que carregava, enquanto parecia um tanto sem graça, mas logo a impressão passou e ele fez um sinal para os dois o seguirem se virando para a rua.

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Alex os guiou pela rua que nada mais era que uma feira de ervas e artefatos místicos, as pequenas lojas possuíam colares e aneis entre outros produtos expostos em vitrines vazadas dos dois lados, o local estava vazio tirando os próprios lojistas. “Decidiu me visitar em um dia de pouco movimento, desse jeito vai achar que estou falido.”, “Se tem algo de que tenho certeza nessa vida, é de que você não irá falir por causa de uma loja de rua de erva vermelhas, ou como você diz: Folhas da Felicidade.”, reconhecendo do que se tratava, Tx perguntou curiosa “Você as planta Alex? Ou tem um fornecedor?”, enquanto a pergunta flutuava entre eles, Alex os conduzia para sua loja, ‘Ervas e Aromas Adams’, toda feita em madeira avermelhada. Dentro do estabelecimento, seus produtos estavam espalhados pelo amplo espaço, com foco especial nas ervas, que jaziam em vasos artesanais diferentes entre si, Tx se aproximava de um para ler a etiqueta abaixo enquanto Alex a respondia “Planto, rego e provo cada uma antes de pôr à venda. Quando não estou na empresa de meu pai assinando documentos, faço desse lugar minha segunda casa, as ervas são ótimas ouvintes, sabia?”, “Uhum, sei bem do que está falando”, Tx disse enquanto envolvia com a mão um pequeno caule que terminava em folhas vermelhas com formato de presas de tigre. Ao ver as plantas ela se lembrou de quando as experimentou acompanhada de Troi na casa de um amigo comum da resistência. Ela abriu um sorriso quando repassou o momento da hora da verdade onde o Doutor sabe-tudo decidiu se manter longe das plantinhas: “Qual é Troi, li em algum lugar que elas têm um efeito terapêutico, logo você que é todo organizado, certinho e zen budista não vai querer provar??”, “Acho que só te escutar falando essas maluquices já é terapia o bastante pra mim, e na verdade eu sou Taoista, é bem diferente okay?”. Naquela época eles se conheciam a pouco tempo, estavam comemorando o sucesso de uma missão de espionagem comercial que havia rendido uma grana alta pra iniciativa e o clima na casa era de festa, apesar disso os dois se mantiveram distantes do restante. Tal comportamento era mais raro vindo de Tx do que de Troi, pois ela adorava estar ao redor de pessoas, seja participando de uma Hackathon online ou jogando conversa fora com membros da resistência, tudo isso a afetava profundamente, acalmando sua mente ansiosa, de modo que ela se deixava levar por essas conexões esparsas e triviais. Porém naquela ocasião, curiosamente a maneira oposta com que levavam a vida de alguma forma fez com que se aproximassem, e quanto mais ela observava Troi, mais parecia que ele se escondia numa espécie de torre que era cercada por um abismo. De modo que toda tentativa de aproximação deveria ser feita com calma na esperança de que ele aparecesse em sua janela para oferecer um mero aceno, ela havia ficado curiosa sobre como ele chegara naquela, parecia um lugar aterrador e frio.

Tx se recordava daquele dia quando ouviu “Tx? Tá tudo bem aí?” Era Troi parado ao seu lado, com a expressão indiferente de sempre, ela disse “Tudo, tudo.”, enquanto isso do outro lado da loja Alex atendia uma senhora que olhava de forma crítica para uma samambaia Baratina, ele fazia amplos gestos acompanhados de caras e bocas para conquistar a experiente cliente, que parecia mais interessada em tecer críticas sobre os métodos de plantio do barbudo. Tx observava a cena enquanto Alex a guiava de bancada em bancada comentando sobre o efeito “transcendental” de uma erva aqui, da duração do efeito de outra ali, e a senhora sempre se antecipando, fazendo comentários como “Se essa é a erva que fumam por aqui, não me surpreende que tenham ficado com essas carinhas de abestados.”, Tx não pôde conter o riso quando percebeu Alex olhando alarmado para Troi, estendendo os braços e suplicando por uma ajudinha, ao que o amigo negou, balançando as mãos a frente. Após essa traição, o declínio de Alex se fazia inevitável, momento no qual Tx se virou e disse “Bem, acho que agora que já falou com seu amigo é melhor irmos andando, sei onde fica o esconderijo do Lupin.”, “Certo, peguei as chaves do nosso veículo de fuga.” Troi fez menção ao bolso frontal de sua jaqueta, enquanto Tx imaginava como aquela senhora devia ser uma figura memorável nas festas que frequentava.

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Ao saírem da loja, Tx puxou o celular para se certificar do caminho a seguir, o lugar em questão já era bem conhecido para ela. Tendo feito diversas visitas para analisar produtos e equipamentos surrupiados sempre no papel de programadora sênior e engenheira robótica, ocupações nas quais em um passado recente, ela tinha chegado a atuar de forma oficial. Foi em uma dessas visitas à oficina, que ela colaborou para desenvolver novas próteses que melhoravam a capacidade de deslocamento e força dos membros inferiores do corpo humano. O implante substituía a musculatura das panturrilhas e a área dos joelhos, criando uma grande resistência a quedas e maior desempenho em corridas, além disso, graças a rigidez do material utilizado, as próteses também serviam para combate. O projeto levou um longo tempo e durante o processo, Tx precisava sempre se apresentar na fronteira do Setor Arborífico, seguindo normas através de um cronograma de visitas feito especialmente pra visitantes extraordinários que não tinham o passe de elite. Uma vez lá, ela ia direto para o esconderijo e oficina onde alguns dos artefatos mais inovadores da Resistência eram criados. Tx se perguntava onde Lupin morava, uma vez que sempre que ela chegava na loja o encontrava por ali trabalhando em algo. Ele também sempre a chamava para vistoriar seus projetos, eram boas memórias:

“Tx dá uma olhada nesse circuito aqui.”, Lupin dizia programando as conexões da panturrilha sobre a mesa de trabalho e Tx cuidava da ligadura dos joelhos. Deixando as ferramentas, ela se posicionou ao seu lado com a mão sob o queixo, pensativa. Já tinha lidado com muitas portas e resistores, os entendia como se fizessem parte de seu corpo, ela disse “Aqui você precisa conectar mais dois canais de ligação em paralelo, para separar os pontos de energia, senão poderá sobrecarregar o sistema na hora da ativação.”, “Entendo, também vou otimizar as entradas de comunicação com a prótese dos joelhos. Acho que isso fará com que a dissipação de energia ocorra na maior área possível.”, “Parece uma boa ideia! Mal vejo a hora de usar essas belezinhas, nunca quis tanto ter um motivo para dar uma joelhada em alguém”, ”E eu pensando que você só estava preocupada em continuar caminhando quando ficasse velha, sua nerd da cadeira.” a fala de Lupin era acompanhada de uma expressão conciliadora e um sorriso de canto de boca, “Eu nem fico tanto tempo no computador assim, seu idiota!”.

Tx gostava das tardes que passava naquele lugar, sempre trabalhando em múltiplos projetos, ela gostava da sensação de aprender coisas novas, como a rede digital, sua quantidade de interesses estava sempre em expansão. E sua curva de aprendizado, graças à base de operações, ferramentas e orçamento livre seguia em curva exponencial. Ainda sobre seus projetos, a melhor parte era levá-los de surpresa para a Resistência. Adorava demonstrar as ferramentas e próteses que desenvolviam ali. Lembrava com orgulho de quando as suas próprias próteses ficaram prontas, e em uma apresentação bastante teatral ela quebrou uma enorme caixa com uma joelhada no meio do salão da base, para o espanto e consequente onda de exaltação de todos, no instante em que mostrou os entalhes metálicos para a plateia.

As boas memórias vinham como bytes de informação intermináveis, mas desta vez carregavam um ruído gerado pela incerteza do estado de Lupin… Ele não havia mandado mais mensagens, e no laboratório não haviam armas grandes ou alarmes até onde ela se lembrava, ele também nunca comentava sobre sua família - ou alguém com quem pudesse contar em caso de problemas - imaginou como eles seriam, se é que ele tinha alguém para quem voltar no final dos dias de trabalho. Não importava quem fosse, ela desejou que ele pudesse voltar como se nada tivesse acontecido. Do contrário… ela decidiu interromper esse fluxo de pensamento, quando ainda na rua de especiarias, localizou a via onde precisavam entrar, bastava seguir a direita e depois virar à esquerda para chegar no quarteirão onde ficava a oficina, que se localizava em uma parte mais distante da fronteira do Setor Arborífico, em meio a um conjunto de lojas focadas em consertos de equipamentos tecnológicos caseiros. No caminho para lá, ela disse “Seguinte Troi, temos três entradas possíveis, duas na superfície e uma no subterrâneo, o plano é: entramos pela entrada debaixo, pegamos o que viemos buscar, derrubamos qualquer engraçadinho que estiver por lá e saímos pela mesma entrada.”, “Me parece razoável.” Troi parecia preocupado, Tx disse “Desembucha doutor sabe-tudo.” ela respondeu ao que Troi continuou em silêncio, sua expressão seguia intransponível, ela continuou “sabe que se algo acontecer você pode renascer em um lugar melhor certo?” dando uma cotovelada de leve no ombro do parceiro esperou arrancar a sombra de um sorriso, mas Troi apenas respondeu “Não temos pista alguma do que nos espera lá dentro, pode ser uma emboscada, e pra sua informação, não existe renascimento no Taoísmo. E dadas as circunstâncias, eu não me sinto perto da perfeita sintonia com o universo para morrer ainda.”, ao ouvir a palavra “emboscada” Tx se lembrou da arma no bolso interno de seu sobretudo, sentindo a frieza do metal que poderia ter sido usado para construir circuitos de computador, com fios e placas de sistema digital prontos para serem usados em invasões de centros de dados do Império. Havia tanto potencial tecnológico e estratégico contido ali. Mas não, esse pedaço de metal foi feito com um único e frio objetivo: abrir buracos. Fundos o bastante para causar problemas e fazer uma sujeira, espalhando nada mais do que circuitos humanos.

Tx por um longo momento se deixou levar por um grave silêncio, um silêncio de bytes se desfazendo. Até que notou o olhar levemente preocupado de Troi ao seu lado, naquele instante ela esfregou as mãos dizendo “Se você trabalhasse como atendente de mercado ou cozinheiro isso seria o menor dos seus problemas. Agora vamos seguir em frente”.

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Ao chegarem na via, não notaram grande movimentação nas lojas dispostas frente a frente. Aquela para a qual se dirigiam era a terceira do lado direito. Entre cada loja, uma viela se abria permitindo o acesso aos outros quarteirões da área. Após ver que ninguém estava na rua Vx e Troi passaram em frente a primeira loja e entraram no beco à direita, ali uma escadaria descia ao lado do segundo estabelecimento, uma simples loja de conserto de geladeiras. A desceram e estando de frente para a entrada do estabelecimento inferior, Troi logo percebeu que era um bar, “Calma aí Tx, vamos mesmo entrar em um bar às 8h da manhã? Se isso não levantar suspeitas, eu sou um agente duplo em serviço.”, “Não é só você que tem contatos desse lado da Cidade sabia? Eu conheço o dono, já estive aqui algumas vezes e fiz questão de deixar claro que trabalho logo ao lado, apenas sorrie e acene e ficaremos bem”, “Certo, certo, antes de entrarmos preciso fazer uma coisa”, Troi puxou o celular e discou um número, após alguns bipes, um código apareceu na tela, ao que ele pegou a chave do carro e a posicionou sobre o código, um scanner leu o objeto e o celular respondeu ”Verificação concluída, seu veículo chegará em breve”, por fim um mapa apareceu na tela e Troi selecionou a rua que ficava nos fundos da loja. Após todo esse processo, ele teatralmente sorriu e acenou para Tx, que fez um joinha em aprovação enquanto abria a porta com a outra mão.

“Bom dia Gil!”, Tx se direcionava para um velho homem grisalho que estava escutando rádio no balcão de atendimento, sentado de lado enquanto observava o objeto. Ao seu redor o ambiente era escuro, e possuía uma decoração simples, na parede atrás dele uma placa com os dizeres “Prêmio de Melhor Cerveja Artesanal do Ano 21XX” se destacava acima de garrafas de Gin, Vodka entre outras bebidas. Tx se aproximou do balcão. Naquele instante, tendo uma visão melhor de Gil, Troi a seguiu e pôde verificar que ele vestia roupas casuais: regata e shorts, os dois de alta costura, e também possuía aneis nos dedos que por sinal tinham unhas bem cuidadas. Este detalhe o deixava mais próximo de um velhinho simpático do que de um mafioso beberrão, para o alívio de Troi. Apesar disso, ele permanecia atento aos sons do ambiente, sem tirar os olhos do velho Gil, que estando sentado segurava uma xícara de café, tendo em sua frente um grande pão de queijo já mordido num prato. Com a aproximação dos dois, ele diminuiu o volume do rádio, ao que se virou e disse ”Olá Txriza, o que a traz aqui tão cedo? Não creio que esteja atrás de um trago acompanhada desse bonitão, certo?” ele em seguida deu uma piscadinha para Tx, enquanto Troi tentava dar seu melhor sorriso enquanto olhava para a amiga, que se vendo desarmada de qualquer atitude defensiva respondeu amigavelmente “Pare com isso Gil! Ele é um pesquisador especialista em robótica, veio dar uma olhada em um projeto em andamento, apenas isso, não iremos incomodar por muito tempo.”, tal como uma atriz holográfica, ela manteve sua expressão neutra enquanto acenava com as mãos como se pudesse afastar a ideia de que aquilo era algo além de uma situação profissional, Tx pensou “Antes fosse, seria algo bem menos complicado de se explicar do que o que estamos prestes a fazer, me perdoe Gil.”

Seguindo para uma porta na parede lateral do bar, Tx pegou uma chave e a abriu enquanto usava a consciência “Aqui foi planejado para ser uma continuação do comércio de cima, mas o que aconteceu foi que aqueles que compraram as lojas iniciais acabaram adquirindo as alocações debaixo também, deixando tudo desativado ou enchendo de tralhas, o único que restou foi o bar do Gil. Que por causa da passagem lateral conveniente logo virou um ponto comum entre os lojistas. ‘Nada como um drink no meio do expediente, melhor ainda se for no sigilo’, Cultura da boa vizinhança, sabe como é.”, Troi não replicou, ele parecia concentrado em adaptar seus olhos de metal ao lugar totalmente escuro que adentravam. Dentro da sala, ele segurava a pistola quando disse “Aqui está uma bagunça, vejo caixas de ferramentas, martelos e brocas, já estamos no esconderijo?”, “Sim, na ‘loja‘ abaixo da segunda viela para ser mais exata, é como um depósito onde deixamos as coisas que são inúteis na maior parte do tempo, mas que podem ajudar em casos bem específicos” Tx tinha acendido as luzes laterais, de tonalidade esverdeada, que emitiam feixes fracos mas suficientes para iluminar o ambiente, assim como um objeto que ela apontava: ele tinha um formato de caracol que quando tocado se desenrolava em uma broca circular, deixando a ferramenta sobre uma bancada ela seguiu em linha reta até a porta que dava acesso a oficina. Parando em frente a ela, antes que pudesse abri-la, sua visão periférica notou algo ao lado, ao olhar diretamente para lá viu antigas botas escoradas na parede, elas pertenciam a Lupin, até que certo dia estragaram e desde então permaneceram por ali, não era como se pudessem gastar tempo consertando futilidades, eles tinham uma revolução a ajudar. Uma pena, eram bonitas, apesar dos rasgos na lateral e das solas metálicas enferrujadas, Lupin às vezes ainda resmungava sobre juntar os materiais para as consertar, desde então meses tinham se passado e nada de às reformar.

Tx observou Troi, notando que ele queria acabar logo com tudo aquilo, aquele lugar não lhe trazia nada além de apreensão, o Olhos de Metal acenou para que ela abrisse a porta enquanto ele empunhava a pistola, Tx disse “Em frente tem uma escada que sobe para o térreo, lá em cima é a sala principal da oficina, e indo a esquerda existe um corredor que leva à entrada.”, Troi respondeu “Certo, irei na frente para analisar o lugar”, Tx fez que sim com a cabeça, pois já conhecia a estranha capacidade ótica do amigo, que o fazia ver as ondas infravermelhas de um ambiente.

Ao por a mão na maçaneta, Tx teve a estranha sensação de que talvez nunca mais voltaria àquele lugar, tudo por causa de um drone idiota, e caramba, do descuidado do Lupin.

Continua (2/4) ...