Entre a solidão, o Tinder e das sílabas do sábado

2 de setembro, 2025

Voltando a atualizar o site pra aliviar a cabeça da rotina. Achei o título cômico, meu lado engraçadinho foi mais forte, apesar dele a seguir você encontrará: um desabafo meu, talvez o mais sincero, chorão e melancólico até então. Além da resenha do último livro que li.

Eu tenho blindado este espaço de reflexões mais pessimistas da minha vida, pois o lado de dentro da casa dificulta o florescimento das plantas. E bem, a ideia deste espaço sempre foi a de cultivar um jardim digital. Percebi que isso nem sempre é possível, por isso, quero abraçar as quedas que acompanham os avanços que tenho por essa vida.

Eu nunca me senti tão sozinho como atualmente. Minha faculdade é pequena, e as pessoas daqui são em grande parte desinteressantes pra mim. Às vezes penso que eu sou o errado da história, aquele que só quer ter conversas profundas e que fogem dos temas do dia a dia: as matérias atuais, os professores ignorantes, os meses até se formar, o jogo de baralho após o almoço. Veja bem, uma piada aqui e ali é sempre bem vinda, afinal o bom humor é uma arma pra sobreviver ao estresse do mundo acadêmico, mas eu queria mais do que isso.

A cada mês que passa eu me sinto mais e mais entediado.

Pra além disso, como passei da metade do meu curso a aura de novidade e animação do processo já se dissipou. Gosto de minha área, mas o surgimento da IA ceifou um senso de aprendizado e desafio que o ato de programar e avançar nesses assuntos causava, tá tudo meio sem gosto. E o cenário atual e futuro me leva a auto sabotagem, "Eu nunca fui da área de exatas. Tudo que sei fazer vêm de um lugar de tentar criar meios de comunicação através da tecnologia, pra além disso não sou bom tecnicamente no que é demandado pelo mercado de trabalho. Como caralhos eu vou competir em um mar de bons programadores que agora tem um meio de serem duas, três vezes mais eficientes do que antes?", eu já sabia que teria que estudar e fazer bem mais do que a galera que sempre teve esse contato com lógica e programação desde cedo, mas a IA generativa escancarou o oceano que me separa de quem de fato é bom nisso. Termino pensando que eu até gosto do que faço mas não sei se tenho energia o bastante pra sobreviver as regras que estão impostas.

Outra coisa complicada da faculdade é a falta de consistência nos horários, que tornam impossível a uma pessoa desregulada como eu criar uma rotina saudável. Simplesmente me vejo sempre cansado e esperando chegar em casa para: fazer as atividades que tem data de entrega, estudar para seminários ou provas para então poder ler/assistir alguma coisa antes de dar o dia por encerrado. Olhando pra essa rotina eu percebo o motivo de ter parado de sorrir tanto - eu sempre fui uma criança super alegre, despreocupada e animada, e por mais que socialmente eu ainda seja assim, hoje em dia esses momentos são mais raros. Notei que a gente cresce junto da consciência das merdas que estão acontecendo pelo mundo e de como cada vez menos vamos ver nossos amigos dos tempos de escola, já que seguimos por caminhos de vida diferentes e agora todos precisamos ser adultos responsáveis e bem vistos pela sociedade.

Às vezes eu penso que li demais, ao mesmo tempo em que sei que não tinha como ser diferente. O rumo que minha vida tomou me fez amadurecer antes da hora e os livros são janelas irresistíveis para uma pessoa que não se encaixa em sua realidade. É claro que existe aqui um exagero de minha parte, ao longo de minha formação tive bons amigos - também os tenho na faculdade, o que quero dizer é que no grande esquema das coisas, eu sigo me sentindo distante dos outros.

Falando de romance agora, a uns dias postei sobre o livro 'Primeiro eu Tive que Morrer' e sigo certo das coisas que floresceram daquela leitura, de fato foi importante para a minha visão sobre o assunto. Dito isso, ireii falar do Tinder, essa plataforma maravilhosa em criar vínculos que tem uma capacidade de evaporação surreal. Em minha defesa, o uso pela praticidade quase irresistível de conhecer pessoas sem sair de casa. Uma vez que o DF é um ovo, onde a gama de coisas a se fazer existe entre as fronteiras de: baladas, barzinhos, museus. E uma vez que se vai algumas vezes nestes, logo se cansa.

Logo, uma vez que não gosto de baladas e não vejo graça em sair pra beber por beber, tento a sorte para ver o que acontece pelo aplicativo. Já pensei em escrever sobre a forma como ele funciona outras vezes, é uma coisa que me fascina de certo modo. A você, sortud@ que nunca o abriu, funciona assim: você entra e passa horas escolhendo fotos usando os mais diversos parâmetros, uma sucessão de auto julgamento que navega do 'nada muito sério' ao 'nada muito jogado', mas definitivamente e de modo inevitável se afastando do seu eu do mundo real. Após a formulação de uma imagem tida como o ideal de nós mesmos, passamos a responder algumas perguntas e pela criação de uma descrição que visa complementar esta persona agradável e atrativa feita sob medida para entrar no 'mercado'. E assim, eu odeio usar esse termo, mas é a forma como o aplicativo se apresenta, você escolhe as pessoas primeiramente pelas imagens, o texto vira mero complemento ao decidir entre dar like ou não. Tudo é asséptico e frio, pessoas gostosas passando para lá e para cá, ou melhor você passa as pessoas pra lá e para cá. Elas, todas imagens estáticas ou gifs de poucos segundos que transmitem alguma expressividade performativa. Todos jogam, todos escolhem e descartam.

Esse processo segue por horas, até que a sorte te sorri, é dado o match. Borboletas na barriga, a alegria de ter sido escolhido, a aceitação tão aguardada e que planta uma esperança de conexão genuína, mesmo em uma realidade impessoal, distante, mas por isso mesmo segura e sedutora, nada de olhares nervosos, toques, situações inesperadas, é só uma tela verde que parece dizer: parabéns você pode ter encontrado a pessoa da sua vida! Aqui abro um disclaimer, a minha visão sobre o aplicativo parte da minha procura por uma pessoa que seja mais do que um ficante, nunca gostei dessa ideia de dispensabilidade das pessoas. Gosto de cultivar minhas relações, gastar tempo e esforço em realmente conhecê-las, por isso descrevo muito fortemente essa dualidade entre distanciamento e esperança de real conexão.

E assim, eu poderia gastar um tempo descrevendo as interações que acontecem, mas já escrevi demais, vou deixar para uma continuação. Focarei num ponto que notei que parece uma constante, a falta de reciprocidade. Que parece entrelaçada a essa ideia de que 'tanto faz tu é só mais um nessa fila infinita de pessoas', afinal sempre tem alguém mais bonito, menos complicado, um ideal de par perfeito. Ele está ali, aguardando ser encontrado, logo ninguém merece atenção integral, cuidado atencioso. Essa sensação é horrorosa, aplica uma camada plástica entre as relações, mas é ela que dita as regras do jogo que resultam também em falta de empatia e tentativas de aproximação. Tudo isso desemboca em interações frustrantes, com múltiplos chats abertos, ghosts e desconfiança. E assim, eu não sou santo, também já me vi fazendo essas coisas, menos ghost, acho desnecessário e imaturo. Faço um esforço para tentar ‘dar certo’ com uma pessoa de cada vez - tanto que foram raras as vezes que de fato saí com alguém. Sou chato em de fato sentir que encontrei alguém que vale a pena pra além da superfície e foi nesse processo que tive meu primeiro namoro. Aprendi muito e também sofri um tanto. Mas achei que foi algo que me fez ter mais consciência sobre o que de fato procuro e preciso em um relacionamento, mesmo que existam aqui elementos que eu claramente não controle, é a complicação do subconsciente, a camada traumatizada que todos temos que nos faz perseguir certos padrões. É uma jornada sempre em continuidade, e assim, não diria que segui-la pelo Tinder é o ideal, longe disso. Mas é a minha maneira atual de tentar criar essa conexão… ainda assim, tenho procurado alternativas, mas ainda sem sucesso. Seguirei tentando, afinal sou um romântico incurável, que sobrevive neste mundo que nos deram graças ao mundo digital , tão errático, livre e mágico. Repleto de contradições e possibilidades. Vou parar o diário de hoje por aqui, e agora percebi que logo a seguir tá a resenha do último livro que li, e assim é um outro assunto bem diferente. Fala sobre luto. Eu poderia dividir em duas páginas, mas to meio sem tempo no momento, enfim, aproveite a leitura mas prossiga com cuidado!


Não fossem as sílabas do sábadoNão fossem as sílabas do sábado by Mariana Salomão Carrara
My rating: 4 of 5 stars

É difícil escrever uma resenha que represente de fato o que foi ler este livro. O luto é uma das experiências mais complexas pelas quais o ser humano inevitavelmente irá ser confrontado. A dor que perfura a memoria e que ameaça ressurgir diante de nomes, situações ou até mesmo lembranças felizes é algo que pode ser perpassado por muito sofrimento. Como diz a Ana, protagonista do livro, em certo momento, o tempo não encerra a saudade, o que ele faz é diluir a memória. E assim, este livro consegue representar inúmeras faces deste sentimento.
Eu o li em um momento complicado da vida, não por algum luto, mas por um sentimento de melancolia que as vezes me toma de sobressalto. Esse fator tornou a escrita já crua, em uma jornada cansativa e quase depressiva. Os temas tratados aqui devem ser levados em conta, pois podem te afetar. Dito isso, eu achei surreal o jeito conversacional que a Mariana trás pra contar essa história. É de uma pessoalidade avassaladora.
Se eu tivesse que dizer algo que senti falta seria de mais cenas com a Catarina, tem certas passagens que não adicionam muito para o lado narrativo da história. E aqui entram debates, pois se tratando do tema, o cansaço e o remoer do passado são aspectos reais deste processo. Ainda assim acredito que mais cenas mostrando a relação mãe-filha ali perto dos 8-10 anos seria interessante. Talvez eu pense isso pois seria um respiro para fora da sensação de aprisionamento que percorre todo o livro. Tudo é apertado, silencioso, dolorido mesmo.
Sobre a Madalena, gostaria de saber mais sobre ela, aos olhos da Ana muito é suposto, mas nada de concreto surge sobre o que passa na cabeça dessa outra mulher que também sofreu bastante com a situação.
Por fim gostaria de falar que este foi o primeiro livro que me prendeu do começo ao fim pela qualidade das frases e escolha das palavras. A grande maioria dos autores tem momentos aqui e ali onde brilham e escrevem coisas de uma forma que me faz lembrar do porque AMO literatura. A Mariana é uma exceção a regra, e se não fossem as sílabas de sábado, é um manifesto brutal sobre a potência de se seguir com a vida, mesmo quando a morte se impõe enquanto a calamidade que é. Se continuamos por aqui, sempre poderemos tomar chocolate quente, dar risadas com nossos amigos ou sentir a brisa do vento. Para além de toda dor, existe um outro dia que trás a possibilidade de sermos abraçados e acolhidos. Não estamos sozinhos.

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