Primeiro eu Tive que Morrer de Amor

20 de agosto, 2025

Mais uma vez começando a escrever este texto. Já perdi a conta de quantas vezes tentei escrevê-lo. Vamos ver se chego ao encontro das palavras e pontuações corretas desta vez.

Faz umas semanas que senti um abalo de mudança dentro de mim, minto, já fazem alguns bons meses. Tempo este em que tenho sentido um longo período se desenrolando, quase que imperceptível em sua morosidade. A única pista que tenho de seu movimento se dá pela sucessão de avanços e retrocessos que, como ondas, se misturam e se revolvem, em padrões indecifráveis.

Hoje eu terminei de ler um livro que se passava em uma cidadezinha também rodeada por ondas. Era Jericoacoara, pequena vila dos pés na areia de frente à praia. Em meio a calmaria existe lá um mar sem fim nem começo. Onde parece que todos os caminhos levam de volta à água.

A história segue uma protagonista sem nome, que após um burnout sai de “férias” por dois meses. A viagem é cheia de acontecimentos, ela chega na cidade e visita amigas que formam um casal bonito, também conversa com uma senhora da cidade e sua netinha e de surpresa também revê uma paixão de tempos atrás.

O que tudo isso tem haver com o que eu precisava escrever? Bem, não seria exagero dizer que tudo! Nos últimos meses eu vivi exausto por conta da faculdade e relacionamentos mal resolvidos, momentos de hesitação e medo por não me sentir eu mesmo, por não estar onde eu achava que deveria/precisava estar. A personagem desse livro passa por um dilema parecido, ela está de férias - como eu estou neste exato momento - mas isso não a exime de seus problemas e traumas, muito pelo contrário. Mesmo estando na praia às vezes ela se pegava lembrando de seu passado, do trabalho abusivo, da falta de gosto do mundo que parecia uma condenação por suas escolhas de vida. Um sentimento de culpa que a fazia pensar demais sobre a felicidade que estava tendo ali, ao lado de uma pessoa que ela amava, alguém que havia sido trazido a ela pelo improvável intento do destino após tantos e tantos meses.

Voltando a falar das correntezas que movem o meu caminho, eu tenho escrito bastante nos últimos tempos, algumas poesias que se perdem em sentido pela contrapartida de outras que são reais demais até para serem compartilhadas, afinal todos temos exclamações não ditas. No meio delas eu percebi que precisava de menos rimas e mais linhas, afinal a culpa é uma velha conhecida que demanda espaço para ser compreendida.

Esse livro me ajudou bastante nisso, na verdade, é a segunda vez que o leio, a primeira foi em 2023. Naquele tempo o romance da coisa tinha sido aquilo que havia tomado minha cabeça por completo. Tanto dentro como fora das páginas, eu buscava pelo que pensava que era o amor, mal sabia eu que quando o encontrasse o desvelaria como outra coisa, que até era parecida, mas fundamentalmente diferente, era a paixão. Um véu poético que esconde uma face pegajosa, problemática.

Outros podem discordar de mim, mas irei dizer mesmo assim: a paixão só causa dor, ao menos para mim. E aqui deixo de lado meu lado dramático enquanto escritor, o que digo vem da noção de que todas as vezes em que senti paixão, a mesma me trouxe uma ansiedade monstruosa, que tomava a minha cabeça, me deixando doente e com a mente totalmente conturbada, pensamentos a milhão como tempestades em fora de estação.

Eu nunca quis tanto a aprovação de outra pessoa quanto nos momentos em que esta, parecia me dominar pelo simples fato de existir, tudo sendo movido pela paixão. Estar neste estado, para mim, era como ver a areia ao longe, para então nadar, nadar, nadar até não ter mais forças para continuar. Isso durante todos os momentos nos quais eu me via longe dessa pessoa/imagem que eu mesmo interpretava com um romantismo descabido. Tolo.

Por causa da paixão eu infelizmente machuquei uma pessoa por dizer coisas e depois desdize-las ao notar que não sentia de fato o que parecia sentir. Depois disso um ciclo se encerrou, e vivi meses de autossabotagem envolta em um senso de falta de pertencimento a mim mesmo, minha alma liquefeita vazando pelo corpo de peneira, me senti totalmente à deriva durante este tempo. E pensar que a única pessoa que poderia me salvar também estava se afogando, eu mesmo.

Voltando ao livro, a protagonista em certo momento se vê fisgada por outra pessoa (Amália) mesmo passando bons momentos com sua paixão antiga (Glória). E aqui quero dedicar um tempo pra dizer que a Glória é como o sol, pra além de calorosa, ela era direta e acolhedora. Durante a leitura logo percebi, com um certo estranhamento, que a protagonista quando está perto dela não sente nada do que eu sinto quando me vi apaixonado, e bem, até então eu julgava que era o mesmo sentimento, até que descobri algo que fez todo o sentido… será citado mais tarde. Veja bem, apesar de estar em um bom relacionamento a protagonista é atraída por essa outra mulher, a Amália. E ela é uma pessoa cruel, como exemplo, em uma de suas primeiras conversas ela citou a pousada das amigas da protagonista como a ‘Pousada das Lésbicas’, incluindo nisso a protagonista e Glória, com um tom de desprezo. E mais para a frente ela segurou a cabeça da protagonista abaixo da água, a levando a quase se afogar, quando enfrentada, ela disse que era só uma brincadeira. Ainda assim a protagonista se via indo atrás dessa personagem, ela é burra por acaso? Eu acho que não. É algo que vai muito mais fundo do que isso.

Depois de me sentir apaixonado por várias vezes, pude notar um padrão sendo tecido, certas pessoas que pelo seu jeito de ser me deixavam totalmente sem rumo e perdido. Todas relações que nunca foram para a frente, muito por minha causa. Eu me colocava como dois de mim mesmo para ser o mais presente possível, me doando sem me ver naquela relação e me humilhava por migalhas de afeto que quando vinham pareciam a melhor coisa do mundo. Fazia isso porque eu tinha um desejo descomunal por essas pessoas, uma série de características que me impeliam a tentar ser um outro eu, alguém digno de receber aquele ‘amor’. Acabava sempre do mesmo jeito, eu não conseguia bancar aquilo, pois o sentimento era tão pungente que eu levava tudo a perder, me afogava de novo e de novo naquela carência que todos temos de conexão, mas que no meu caso sempre era muito custosa.

Cheguei a uma conclusão. Nada disso foi de fato, paixão.

Se a protagonista era atraída pelo mistério que era Amália, pela sua selvageria e falta de escrúpulos. Eu por outro lado me via obcecado pela ideia que fazia dessas pessoas na minha cabeça. Pessoas essas que por acaso eu achava tão atraentes que me levavam a este lugar de autossabotagem, de descontrole. Elas não necessariamente eram ruins - verdade que algumas me trataram mal - mas de modo geral o erro era meu, ao procurar nelas algo que elas nunca me prometeram entregar, algo só eu parecia sentir que havia ali, pura neurose. O que é esse algo? Eu também não sei dizer. Mas entendo que não é algo pelo qual vale a pena buscar.

Ao final do livro, a protagonista se declara para Glória, se desculpa pelos erros e pede pra ela voltar, mas assim, ela também deixa claro que tudo bem se ela quiser seguir seu próprio caminho. Acontece que a Glória volta, e tudo que a protagonista sente ao seu lado é paz, companheirismo e claro, desejo. Desejo pelo olhar cuidadoso de Glória, por sua abertura e sinceridade, pela falta de mistérios, maremotos de emoção ou desprezo misturado com paquera. Glória representava em si a verdadeira paixão, um sentimento que se bem cuidado pode levar a algo mais além, ela era o total oposto da ansiedade obsessiva que Amália despertava na protagonista, e ela pode ter sofrido neste processo, mas ela aprende com isso. E eu acho essa história inteira muito bonita.

“Eu quero ser livre para viver. Eu quero ter paz com o que me trouxe até aqui. Eu quero me libertar dos fantasmas que me fizeram companhia até hoje. Quero seguir a minha própria estrada, em frente, apesar do mal que me fizeram e do mal que eu causei. Eu deixo aqui os meus traumas, deixo aqui as minhas dores, deixo aqui as minhas culpas e quero viver a minha história. Eu quero tomar parte da minha felicidade.”

Por fim, só queria dizer que a releitura de ‘Primeiro eu Tive que Morrer’ me abriu os olhos, para uma verdade que sempre esteve aqui dentro, mas que eu ainda não tinha entendido por completo. Que o que preciso é seguir bem a vida, estando de bem comigo mesmo, me cultivando e crescendo. Ao mesmo tempo em que me deixo aberto para encontrar alguém mais parecida com Glória do que com Amália por este caminho ondulante que é a vida.